Me falaram que toda a magia em mim devia ter morrido com meu familiar. Ao menos é como eu me sentia, de qualquer forma. Ela estava definhando diante dos meus olhos, e eu achei que seria incapaz de fazer qualquer coisa boa de novo. E, mesmo assim, aqui estou eu. Se é coisa boa eu não sei, mas eu ainda estou fazendo algo.
Quando ela ficou doente, meu mundo desmoronou. Parecia que tudo era bom demais pra ser verdade, e não era mesmo, então estava ruindo. Como um memorial antigo afetado pelo tempo, pela chuva e pela idade, estávamos nós dois se desfazendo.
Eu sentia que estava morrendo, e talvez eu estivesse mesmo.
Os dias e as noites se misturavam. Só existia você, como um letreiro grande piscando na minha cabeça indicando com antecedência que eu devia me preparar. Mas como você se prepara para uma merda dessas?
(Não se prepara, é bem simples na verdade. Não importa que eu tenha passado a semana inteira pensando nisso. Não importa que eu tenha tentado refletir, que tenha sido uma decisão pensada: pesa como o inferno, e acerta no íntimo quando a gente menos espera. É uma merda, e não tem curso, não tem tempo, não tem absolutamente nada que te prepara para isso)
A magia devia mesmo ter ido embora, eu sei disso. E eu sei que ela sabia disso, porque ela me protegeu. Me enviou um novo familiar, um filhote. Eu não conseguia dormir, nada mais importava, mas o filhote continuava ali. Os dias se espremiam, a dor, só ficava a dor, as lágrimas e o sofrimento. E o filhote, um pequeno filhote.
Eu continuo pensando, todo dia, toda hora, que eu nunca mais vou te ver, e NUNCA é uma quantidade infinita e indefinidamente grande de tempo, e isso é injusto, é muito injusto. Meu deus, eu só queria te abraçar, te fazer carinho, te segurar no colo e dormir com você entre as pernas. Uma chance de te ver de novo, alegre pela casa. Nunca mais. Nunca. Mais. Nunca é tempo demais, meu deus.
Mas ainda tem algo dentro de mim. Não estou morto. Às vezes eu desejo estar, mas não estou. E tem algo, uma faísca, um foguinho teimando para não apagar. Ele corre pela casa de manhã. E depois de tarde. Às vezes de noite também. Pula na minha mesa quando estou trabalhando, senta na frente da câmera e escala minhas costas. Também dorme perto, e dorme longe, e começa tudo de novo. Um fogo pequeno e bravo.
Ele me lembra que eu ainda sei amar.
Mesmo que doa. Se o inferno parecer sofrimento menor, eu ainda sei amar.
E então eu continuo. Sem saber se o que tem em mim agora é magia ou se é teimosia pura, mas existe. Com uma pequena bola de pelos do meu lado, ronronando e suspirando e sendo um lembrete. Uma nota de rodapé, um sinal.
(Não foi o fim, não pode ser o fim, seria injusto para caralho se fosse o fim. Não, você deixou um legado. Deixou carinho, deixou afeto. Eu preciso depositar esse amor desenfreado que eu sentia por você em algum lugar, então eu escrevo. E descubro que posso sentir de novo, em doses homeopáticas. Que o amor também cura, e que vai ficar tudo relativamente bem)
Então se alguém perguntar, acho que eu posso falar que ainda tenho alguns truques na manga. Que talvez eu nunca mais saiba falar da forma que falava antes, mas que posso aprender a soltar fogos de outra forma. Eu posso dizer que minha fonte mudou, mas também continua a mesma. Você ainda está aqui, suas memórias ainda vivem comigo.
E se escrever, se seguir, se resistir é algum tipo de bruxaria, eu queria te agradecer por ter me ensinado a praticar e por ter me mostrado o caminho.
A luz, o fim.
Eu te amei, eu te amo.
Nunca mais vou ser o mesmo.
Que bom